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Intervenção do CENA-STE no XV Congresso da CGTP-IN
há 3 semanas


 

Longe estávamos de imaginar o que se passaria poucas semanas depois do congresso da CGTP em 2020. Longe estávamos de imaginar o cancelamento de toda a actividade em todas as áreas nas artes performativas, no cinema e no audiovisual. Cancelaram-se concertos, peças de teatro e espectáculos de dança, suspendeu-se a rodagem de filmes e séries de televisão. 

Com toda a actividade cultural suspensa ficou exposta a dura realidade de um sector em que a grande maioria dos trabalhadores eram (e são) absolutamente precários. A falsa ideia de independência criativa e laboral associada a termos como free lancer ou trabalhador independente junto com vencimentos baixos, honorários irregulares, sub-financiamento das estruturas que são tantas vezes iniciativas de auto emprego, horários desregulados, desvalorização do trabalho nocturno e aos fins de semana, revelou a enorme fragilidade destes trabalhadores.

 

O CENA-STE, que tomou desde sempre a luta contra a precariedade como uma das principais frentes, e que conhece profundamente o sector em todas as áreas artísticas e técnicas procurou reagir ao embate e à profunda depressão em que os trabalhadores da cultura, de uma forma geral, mergulharam. 

 

Conhecendo a realidade de imensos trabalhadores que para além de precários estavam longe de uma carreira contributiva que os protegesse, muitos empurrados para fora do sistema numa situação de informalidade, o CENA-STE entendeu que só medidas transversais, de fundo, que chegassem a todo o povo sem olhar à natureza dos seus vínculos laborais ou da sua situação contributiva poderiam ser consequentes e ajudar a travar a hecatombe que veio a acontecer.

 

De repente os profissionais da cultura puderam olhar para o lado e reconhecer no seu camarada de trabalho uma característica comum: 

eram (e são) trabalhadores. Trabalhadores de corpo inteiro, que sofrem dos mesmos problemas, as mesmas consequências de todos os outros.

 

Tendo como motor principal o CENA-STE, os trabalhadores da cultura organizaram-se e vieram para a rua exigir que as suas vidas, e os seus anseios, o seu trabalho e o direito pleno à cultura não fossem cancelados. 

A 6 de Junho de 2020, organizaram-se e tomaram a rua fazendo em Faro, em Lisboa e no Porto a maior manifestação de sempre na Cultura.

O governo deu uma fraca resposta, apesar de algumas medidas consequentes impostas pela relação de forças no parlamento, ainda que nem sempre correctamente implementadas, e decidiu apresentar o Estatuto do Profissional da Cultura, herdeiro da lei 4/2008. 

 

Apresentado como a “solução” para os problemas crónicos do sector a proposta do estatuto revelou logo à partida um profundo desconhecimento do sector por partes dos seus criadores e mantém, mesmo após anos de discussão e chamadas de atenção a sua principal característica: eternizar a precariedade. 

 

A repetida tentativa de normalização/desregulação do trabalho nocturno e aos fins de semana, a tentativa da normalização da condição excepcional em que grande parte dos trabalhadores da cultura exercem a sua profissão é o maior inimigo da valorização da sua própria excepcionalidade. 

Esta condição, excepcional, é um factor determinante para o valor do salário e para a valorização dos trabalhadores.

 

O Estatuto mantém, e legaliza, a prática do recibo verde, em vez do contrato de trabalho. A mentira de que o chamado Free lancer  tem de ser um trabalhador independente foi tantas vezes repetida que passou a ser aceite. 

Até poderá haver lugar a algum trabalho pontual no sector mas é um facto que é a absoluta ausência de investimento na Cultura por parte dos sucessivos governos, a ausência de um plano nacional de cultura que contribua decisivamente para o acesso à cultura e à sua fruição em todo o país que mantêm a situação laboral na cultura tão precária. 

 

O sub-financiamento crónico das estruturas independentes gera fragilidades que levam a produções cada vez mais pequenas, com menos trabalhadores, elencos mais pequenos e equipas técnicas reduzidas, leva a períodos de produção e apresentação das criações artísticas cada vez mais curtos ou a tempos de produção dos filmes cada vez mais reduzidos.

 

O CENA-STE tem acompanhado, e defende, em conjunto com todo o sector cultural a reivindicação potencialmente transformadora de 1% do Orçamento de Estado para a cultura.

 

Após a chamada retoma da actividade cultural, o CENA-STE tem vindo a intervir:
- No teatro Micaelense, nos Açores, com a adesão dos trabalhadores vieram os plenários e a eleição de um delegado sindical
- Por todo o país, sindicalizaram-se novos trabalhadores, fizeram-se plenários e sessões de esclarecimento.
- Estamos a trabalhar com os actores de dobragens e os tradutores para a valorização dos seus honorários, apontando ao trabalho com direitos e à valorização das suas profissões 
- Na Fundação Casa da Música, numa luta que incluiu uma greve em finais de 2021 e uma forte adesão ao sindicato, em que o número de trabalhadores sindicalizados passou de 9 a cerca de 50, reduziram-se desigualdades salariais e, ainda que haja um longo caminho a percorrer para que na Casa Da Música a trabalho igual corresponda salário igual, e para que a um posto de trabalho corresponda um lugar no quadro com contrato de trabalho e não um vínculo precário, conseguimos sentar à mesa o Conselho de Administração para o início da negociação de Acordo de Empresa.
- Neste quatro anos o CENA-STE conseguiu, através da luta, em conjunto com os trabalhadores da Plural a redução do horário de trabalho e abriu perspectivas no sector do audiovisual ao fim dos recibos verdes e da precariedade com consequências directas em empresas como a SP televisão.
- No Teatro Nacional São João negoceia-se um Acordo de Empresa com boas perspectivas para o futuro dos seus trabalhadores.
- No Teatro Nacional Dona Maria, em conjunto com o sindicato da Função Pública, também estamos a negociar um Acordo de Empresa.
- No grupo OPART que abarca o Teatro Nacional São Carlos e o Teatro Camões a Orquestra Sinfónica portuguesa, a Companhia Nacional de Bailado e o Coro do São Carlos conseguimos, após várias lutas que culminaram com o recurso à greve e à suspensão de toda a actividade cultural no OPART, após 4 anos de negociações, um Acordo de Empresa que assegurou aumentos salariais, corrigiu assimetrias, criou novos escalões para uma progressão efectiva de carreiras de forma transversal, regulou horários, conteúdos funcionais mais transparentes e um quadro de pessoal que define com clareza o número mínimo de trabalhadores em cada sector e subsector. Sem esquecer uma das principais preocupações de todos os que se juntaram nesta luta: a definição da Missão do OPART, seja no quadro mais geral, seja nas cláusulas que caracterizam a missão de cada corpo artístico.Após anos de estagnação no numero de sócios os trabalhadores estão a voltar ao sindicato de que é exemplo a inscrição recente de 6 coralistas e treze bailarinos.O processo de negociação do Acordo de Empresa do OPART, exemplo para o futuro mostrou que só com a presença dos trabalhadores nos plenários e o seu envolvimento directo nas negociações foi possível avançar na conquista de direitos e consumar um AE fundamental para o futuro do OPART e dos seus trabalhadores. 

 

O CENA-STE é hoje referência para a luta dos trabalhadores da cultura mas tem pela frente desafios e dificuldades. 

É fundamental melhorar a comunicação com os sócios e com os trabalhadores. 

É importante envolver mais profundamente os membros da direcção na actividade sindical, é fundamental fazer mais plenários e sessões de esclarecimento, eleger delegados, sindicalizar os trabalhadores.

É fundamental trazer os imigrantes, ao CENA-STE e ao movimento sindical em geral.

É essencial engrossar a luta, que não é só dos trabalhadores da cultura por trabalho com direitos, por salários dignos e vínculos duradouros que garantam estabilidade e uma vida estável.

É fundamental rever a lei torta que é o Estatuto do Profissional da Cultura aproveitando o quase nada que tem de bom e desfazendo tudo o que tem de mau.

Na cultura há trabalho mas falta emprego e trabalho com direitos!

 

Temos pela frente tempos difíceis em que a perspectiva da secundarização da Cultura se mantém e temos de exigir uma outra política para a cultura. Temos de exigir 1% do OE como desígnio minimo para que seja possível uma outra politica para a cultura que garanta o direito à fruição e criação cultural como defende a nossa constituição, constituição de Abril e do Portugal democrático.

 

Viva o XV congresso da CGTP!

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