Um milhão e meio sector
Sobre os concursos de apoio às artes e o apoio extraordinário
O Ministério da Cultura e a DGArtes, decidiram, e bem, que era necessário um novo Modelo de Apoio às Artes. Para isso, decidiram realizar várias auscultações às estruturas, aos trabalhadores e às organizações representativas de ambos.
Desde o início desse processo, que tanto o CENA-STE como outras organizações, confluíram nas críticas, quer ao processo de auscultação - ao seu mau planeamento e início tardio -, quer ao rumo que estava a ser traçado nas opções políticas e regulamentares dos concursos - não se pode afirmar que este seja um novo modelo, ele é uma revisão do anterior que pretende afirmar que é necessário mais estabilidade mas que não cria os pilares para sustentar efectivamente essa estabilidade.
Remendo extraordinário de 1,5 milhões
No momento em que os resultados dos concursos dos Apoios Sustentados estão prestes a ser totalmente conhecidos - faltando apenas os do Teatro -, e face às consequências negativas evidentes que os mesmos trouxeram ao sector, decidiu o governo, através do Primeiro-Ministro, António Costa, anunciar um apoio extraordinário 1,5 milhões de euros.
É indiscutível que este apoio extraordinário tem acolhimento positivo, mas é importante referir alguns aspectos que para o CENA-STE não podem ficar sem resposta:
- Tal como todos os sectores da cultura, também as artes enfrentam um problema que não se resolve com remendos pontuais, o problema é sistémico e tem vindo a destruir estruturas de criação e postos de trabalho e com isso a empurrar um grande número de trabalhadores para uma espécie de amadorismo-profissional ou para a desistência da profissão;
- O governo, agora, percebeu o problema que criou: com as novas regras são muitas as estruturas que ficam excluídas do financiamento apesar de estarem elegíveis e merecerem elogios à qualidade das suas candidaturas;
- Este remendo extraordinário de 1,5 milhões de euros é curto e está longe de garantir a entrada de todas as estruturas elegíveis;
- Este remendo extraordinário é anunciado sem que se saibam os critérios da sua aplicação. É para distribuir por todas as áreas? É apenas para estruturas que ficaram de fora? É para reforçar o financiamento das que ficam muito aquém do valor solicitado?
Linha de crédito CGD
A par deste remendo, foi também anunciado pelo governo uma linha de crédito bonificado na CGD. Como era já de prever, a abertura tardia dos concursos iria causar dificuldades objectivas para as estruturas e seus trabalhadores, que têm de manter os compromissos assumidos mesmo sem acesso ao financiamento. São muitos os trabalhadores que vêm trabalhando sem receber.
O CENA-STE considera que também aqui houve uma clara falta de planeamento e de perspectiva das consequências que o atraso na abertura dos concursos iria causar. Empurrar as estruturas para o endividamento, mesmo que em melhores condições que outras linhas de crédito, é resolver um problema imediato e criar possíveis problemas futuros. O momento do anúncio desta linha de crédito é insultuoso para o trabalho e compromisso dos agentes do sector, que colocados entre a espada e a parede, dificilmente terão outra opção que não o endividamento.
Rever a revisão do modelo de apoio às artes
Esta revisão do modelo está longe de ser a solução. Tanto o CENA-STE como outras organizações, durante o período de auscultação, alertaram para as várias dificuldades, incongruências e injustiças que ela iria criar.
É para nós evidente que assim que este processo concursal dos apoios sustentados terminar, devem o Ministério da Cultura e a DGArtes iniciar um processo atempado e sem posições cristalizadas para que se alcance um verdadeiro novo Modelo de Apoio.
É necessário:
- Criar condições de justiça na avaliação de candidaturas: estruturas com diferentes missões e objectivos não podem ser comparadas;
- Garantir que no início de cada ano civil, e aquando dos concursos de Apoios Sustentados, a contratualização dos apoios está terminada e a libertação das primeiras tranches de financiamento não ultrapassa o mês de Janeiro;
- Simplificar processos burocráticos e aumentar a eficácia da DGArtes;
- Combater de forma efectiva e estrutural a precariedade;
- Criar um modelo de apoio que fixe estruturas fora das grandes áreas urbanas e que contribua assim para um Serviço Público de Cultura que abranja de forma digna todo o território nacional.
Aposta no Serviço Público de Cultura
O governo falha no financiamento e com isso ajuda a que falhe o cumprimento das missões artísticas das diferentes estruturas do sector e o cumprimento dos direitos laborais dos seus trabalhadores.
O governo falha ao não perceber que os trabalhadores do sector têm um percurso académico e profissional que os iguala na qualidade a trabalhadores de outros países e desbarata, assim, o contributo que estes podem dar para um país intelectualmente e economicamente mais desenvolvido.
Como já afirmámos, o problema é sistémico e perpassa todos os sectores da Cultura. No final de contas, tudo se resume a uma questão fundamental: quantos remendos são necessários na cultura para esconder as más escolhas políticas de quem nos governa?
Lisboa, 25 de Março de 2018