Garantir os direitos dos trabalhadores de espectáculos, música e audiovisual
03/04/2020
Audiência com a Ministra da Cultura
No seguimento da comunicação emitida pelo CENA-STE, no dia 12 de Março, e tendo em conta a situação dramática que atingiu o sector e em particular os seus trabalhadores, o sindicato solicitou uma audiência conjunta, com carácter de urgência, ao Ministério da Cultura e Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Infelizmente, e depois das nossas insistências no pedido, só no passado dia 1 teve o Ministério da Cultura oportunidade de reunir connosco. Esperamos até hoje uma resposta do Ministério do Trabalho.
Foram apresentados e discutidos com o Ministério da Cultura os resultados gerais do Questionário aos Trabalhadores de Espectáculos, Audiovisual e Músicos realizado entre 18 e 26 de Março, que atestam a situação catastrófica vivida no sector.
Entre outros resultados confirmámos que 98% dos trabalhadores questionados tiveram trabalho cancelado e 33% destes por mais de 30 dias e que 85% dos trabalhadores questionados são trabalhadores independentes, sem qualquer protecção laboral. Relembramos que o nosso sector foi um dos primeiros a registrar redução e depois quase supressão total de actividade. De igual forma manifestamos preocupação sobre a possibilidade de este sector vir a ser um dos últimos a retomar actividade em pleno, seja pela garantia das condições de higiene e segurança devidas aos trabalhadores, seja pelas devidas ao público.
Manifestámos ainda o nosso desacordo com o valor e as condicionantes dos apoios anunciados pelo Governo para o sector. Os valores em prática são manifestamente insuficientes como facilmente se verifica olhando apenas para os montantes perdidos pelos 1300 trabalhadores responderam ao questionário; entre Março e Maio as perdas ascendem aos 2 milhões. Note-se que o valor é apenas relativo às respostas válidas. O valor será muito superior se considerarmos o total dos trabalhadores de espectáculos, audiovisual e músicos. E maior ainda se a falta de actividade e de vencimento se prolongar para além de Maio.
Entendemos que são necessárias medidas de fundo para todo o sector, que não se alicercem apenas e somente nos apoios à criação artística. São necessárias medidas transversais, que garantam que o apoio chega, de facto, a todos os trabalhadores de espectáculos, audiovisual e músicos. Nesse sentido, a atribuição de um Indexante dos Apoios Sociais (IAS) no valor de 438,81 para os trabalhadores que laboram a recibos verdes é substancialmente insuficiente. Não é aceitável que os trabalhadores do sector sejam discriminados ao verem limitado, a um valor abaixo do limiar da pobreza, o apoio que podem receber. O correcto será que tanto os trabalhadores independentes como os trabalhadores por conta de outrem recebam as suas remunerações a 100%.
O ministério foi ainda alertado para a nossa crescente preocupação em relação às inúmeras situações que nos têm sido relatadas: de lay-offs ilegais, imposição de dias de folga e férias, e a exclusão liminar de muitos trabalhadores independentes no acesso ao apoio extraordinário em consequência de lacunas lamentáveis na legislação em vigor. De facto não podemos deixar de concluir que o acesso às medidas extraordinárias para os trabalhadores independentes encontra-se limitado no tempo, é pouco claro na sua execução e chega muito tarde para muitas famílias.
Finalmente, o CENA-STE vincou com veemência que são fundamentais medidas extraordinárias para todo o sector e para todos os trabalhadores de espectáculos, audiovisual e músicos, sob pena de extinção de estruturas, actividades, empresas, associações e cooperativas.
Esta situação dramática terá de ser evitada no futuro através de mais financiamento, via cumprimento do objectivo mínimo de 1% do Orçamento de Estado para a Cultura, medidas específicas de fomento à retoma do sector e muito mais e efectiva legislação e medidas de protecção laboral e social aos trabalhadores do sector.
18/03/2020
Questionário aos trabalhadores de espectáculos, audiovisual e músicos
18/03/2020
Sobre as medidas extraordinárias de apoio aos trabalhadores independentes durante a pandemia de COVID-19
(em concordância com DL 10-A/2020, medidas extraordinárias para fazer face à situação epidemológica do novo coronavírus e medidas excepcionais no âmbito da crise COVID-19)
F.A.Q.
(todas as informações são susceptíveis de actualização, pelo que devem ser sempre confirmadas através de consulta aos serviços presenciais ou em linha do Instituto da Segurança Social, I.P./Segurança Social Directa)
Cancelaram todo(s) o(s) trabalho(s) que tinha acordados para os próximos meses e emito "recibos verdes", existe compensação por ficar sem trabalho(s)?.
O CENA-STE entende que, independentemente do cancelamento dos eventos, deve ser assegurada a remuneração do(s) serviço(s) que se encontravam contratualizados, em termos iguais aos da realização. Ou seja, todo o trabalho que se encontrava contratualizado deve ser pago ao trabalhador, com a mesma remuneração.
De qualquer forma, o governo anunciou um apoio extraordinário, correspondente ao valor da remuneração registada como base de incidência contributiva ao Instituto da Segurança Social, I.P., com o limite do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). Ou seja, no máximo, 438,81 euros.
Para poder beneficiar do apoio o trabalhador deve ter, pelo menos, 3 meses consecutivos de obrigação contributiva cumprida há pelo menos 12 meses.
Para aceder ao apoio o trabalhador tem de prestar declaração sob compromisso de honra que a paragem total da sua atividade ou da atividade do respetivo sector é em consequência do surto de COVID-19. Caso o trabalhador tenha contabilidade organizada a declaração deve ser submetida pelo contabilista certificado.
O apoio é pago a partir do mês seguinte ao da apresentação do requerimento via formulário disponível no website do Instituto da Segurança Social, I.P./Segurança Social Directa, em breve.
Durante a vigência há lugar ao pagamento de contribuições ao Instituto da Segurança Social, I.P.. No entanto, é possível pedir o adiamento das contribuições para após o término do apoio.
O CENA-STE exige que o apoio não seja calculado a partir dos 2/3 do valor correspondente à base de cálculo das contribuições ao Instituto da Segurança Social, I.P., mas sim pela totalidade (100%). Neste contexto, o apoio extraordinário deve ter, como limite mínimo, o valor do Salário Mínimo Nacional.
Não posso trabalhar para prestar assistência ao meu filho, o que faço?
No caso do trabalhador independente ter de prestar apoio ao filho doente (GIT70-DGSS + GIT71-DGSS), se tiver 3 meses consecutivos de obrigação contributiva cumprida ao Instituto da Segurança Social, I.P., terá direito a um valor correspondente a 2/3 da base de incidência contributiva do trimestre decorrido, com o limite mínimo de 1 IAS (438,81 euros) e o máximo de 2,5 IAS (1097 euros). O apoio concedido será sujeito a obrigação contributiva ao Instituto da Segurança Social, I.P..
Fui enviado para isolamento profilático ou quarentena, como devo proceder e que direitos tenho?
O trabalhador dependente/por conta de outrem e o trabalhador independente, nesta situação, são equiparados. O isolamento profilático ou quarentena (GIT70-DGSS) é determinado pela autoridade de saúde competente, por perigo de contágio com COVID-19.
O processo é desenvolvido pelo médico designado como autoridade de saúde na zona de residência e apenas ele pode definir a quarentena. Não será abrangido quem, sem autorização do delegado de saúde, se considerar/declarar em quarentena.
Em quarentena autorizada o trabalhador tem direito a 100% da retribuição, a contar do 1.º dia de isolamento.
Fiquei doente com COVID-19, como é pago o subsídio de doença?
Tanto os trabalhadores dependentes/por conta de outrem como os trabalhadores independentes estão isentos de período de espera. O pagamento do subsídio de doença é feito pela escala:
> 55% da remuneração de referência, se o impedimento durar até 30 dias;
> 60% da remuneração de referência, se tiver duração superior a 30 dias e igual ou inferior a 90 dias;
> 70% da remuneração de referência, se tiver duração superior a 90 dias e igual ou inferior a 365 dias;
> 75% da remuneração de referência, se o impedimento tiver duração superior a 365 dias.
O CENA-STE irá interpelar o governo sobre a particularidade dos casos dos trabalhadores sazonais.
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+ info em Que direitos e protecção social para quem trabalha, da CGTP-IN
12/03/2020
Foi recomendado pela Direcção-Geral de Saúde o cancelamento de diversos eventos de índole cultural, de entretenimento e educativo.
Esta medida, que não nos cabe questionar, inviabiliza as apresentações públicas, bem como actividades quotidianas do sector.
A situação assume particular gravidade num sector onde a precariedade é transversal e predominante, assente sobretudo em "recibos verdes", maioritariamente falsos, onde a protecção social é praticamente inexistente.
Os cancelamentos representam, para muitos dos trabalhadores, que serviços acordados estão a ser desmarcados, sendo consequência directa a perda de remuneração, com tudo o de nefasto que daí advém para a sua vida pessoal/familiar. Os cancelamentos penalizam duplamente quem trabalha no sector e tem vínculo precário; primeiro, porque permanece sem acesso a contrato de trabalho e subsequentemente a protecção laboral, segundo, porque, perante o cenário vigente ou em caso de doença, são discriminados no acesso à protecção social.
Entende o CENA-STE que:
> Deve assegurar-se a todos os trabalhadores, independentemente do cancelamento dos eventos, a remuneração em iguais termos aos da realização;
> O Governo deve encontrar forma de salvaguardar as estruturas e promotores culturais/entretenimento que, por sua recomendação, cancelem ou adiem eventos.
O CENA-STE realizará imediatamente diligências junto do Ministério da Cultura e o do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para:
1) Apuramento das medidas a serem tomadas à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores de espectáculos, música e audiovisual, cujos eventos em que laboravam foram cancelados, e que não têm enquadramento no sistema de protecção social extraordinária que o Governo anunciou.
2) Apuramento da medidas a serem tomadas pelo Ministério da Cultura junto das estruturas financiadas que, por conta da situação, se vêm impossibilitadas de cumprir os compromissos contratualizados com a DGArtes/ICA. Notar que a situação é evidentemente grave quando larga maioria das estruturas se vê a braços com dificuldades, directamente decorrentes do insuficiente investimento público na cultura.
3) Criação de medidas extraordinárias de protecção social que permitam aos trabalhadores de espectáculos, música e audiovisual acesso a rendimentos que salvaguardem a dignidade da sua vida pessoal e familiar.
O CENA-STE redobra a mensagem que a génese da vigente situação decorre directamente dos actos de desregulação laboral, do fomento de uma política de precariedade e da persistência e proliferação dos falsos "recibos verdes". Constatamos que os trabalhadores do sector se encontram a viver uma situação de extrema dificuldade, que expõe claramente a fragilidade do seu quotidiano. Exige-se assim que, além das medidas imediatas devidas ao carácter extraordinário da situação, se reforce o efectivo combate ao falso trabalho independente e ao trabalho precário como decorre da Lei nº 63/2013, bem como se prossiga pelo desenvolvimento de adequados mecanismos de protecção social, que salvaguardem os profissionais de espectáculos, música e audiovisual.
Entende o CENA-STE que, para além de todas as medidas que possam ser postas em prática para minorar a situação resultante da actual situação epidemiológica, esta é agravada, em larga medida, pela precariedade e frágil protecção social que afecta os trabalhadores do sector.